Uma dúvida que sempre que esteve presente é saber se os avós podem adotar os netos ou a denominada adoção avoenga.
É bem verdade que na maioria das situações em que os avós assumem os netos como filhos, nem sempre há o registro dessa relação no poder público, ou seja, especificamente nos registros públicos.
Mas pela letra fria da Lei (art. 42, § 1º do ECA), os avós não podem adotar. Ocorre que o STJ vem excepcionando tal situação com análise do caso concreto para regularizar situações de fato consolidadas, por razões humanitárias e sociais e para atender o princípio constitucional do melhor interesse do menor.
Dessa forma, a 3ª Turma do STJ consolidou o seguinte entendimento:
CIVIL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DE PODER FAMILIAR CUMULADA COM ADOÇÃO DE NETA PELA AVÓ. VEDAÇÃO A ADOÇÃO DOS NETOS PELA AVÓ. VEDAÇÃO POR REGRA EXPRESSA. ILEGITIMIDADE ATIVA DA AVÓ. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. INOCORRÊNCIA. FLEXIBILIZAÇÃO EXCEPCIONAL. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. NECESSIDADE DE INVESTIGAÇÃO ACERCA DOS REQUISITOS PARA DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR E DOS PRESSUPOSTOS EXCEPCIONAIS QUE JUSTIFICAM A ADOÇÃO ENTRE AVÓS E NETOS. INCOMPATIBILIDADE DA INDISPENSÁVEL ATIVIDADE INSTRUTÓRIA PARA ESSES FINS E A EXTINÇÃO PREMATURA E LIMINAR DO PROCESSO. FATOS E CAUSAS DE PEDIR DELINEADAS NA PETIÇÃO INICIAL QUE INDICAM, EM TESE, A POSSIBILIDADE DE ACOLHIMENTO DOS PEDIDOS. CASSAÇÃO DA SENTENÇA COM DETERMINAÇÃO DE EXAURIENTE INSTRUÇÃO.
1- Ação ajuizada em 07/11/2019. Recurso especial interposto em 02/01/2021 e atribuído à Relatora em 16/09/2021.
2- O propósito recursal é definir se a avó paterna é parte legítima para ajuizar ação de destituição de poder familiar da genitora biológica cumulada com pedido de adoção da neta.
3- Conquanto a regra do art. 42, § 1º, do ECA, vede expressamente a adoção dos netos pelos avós, o referido dispositivo legal tem sofrido flexibilizações nesta Corte, sempre excepcionais, por razões humanitárias e sociais, bem como para preservar situações de fato consolidadas.
4- A partir do exame dos precedentes desta Corte a respeito da matéria, verifica-se que os elementos que justificam a vedação à adoção por ascendentes são: (i) a possível confusão na estrutura familiar; (ii) problemas decorrentes de questões hereditárias; (iii) fraudes previdenciárias; e (iv) a inocuidade da medida em termos de transferência de amor/afeto para o adotando”.
5- Dado que a vedação à adoção entre avós e netos não é absoluta, podendo ser flexibilizada a regra do art. 42, § 1º, do ECA, em circunstâncias excepcionais, é imprescindível que haja exauriente instrução acerca da presença dos requisitos justificadores da destituição do poder familiar pelos genitores biológicos e da presença dos requisitos traçados pela jurisprudência desta Corte e que justificariam, excepcionalmente, a adoção entre avós e netos.
6- Na hipótese, os fatos e as causas de pedir deduzidas na petição inicial apontam: (i) que a adotanda residiria com a avó desde tenra idade, uma vez que abandonada em definitivo pela mãe biológica alguns meses após o nascimento; (ii) que a paternidade biológica somente veio a ser reconhecida em ação investigatória post mortem;
(iii) que a avó mantém a guarda da adolescente desde janeiro/2007, tudo a sugerir a possibilidade de, em princípio, existir um vínculo socioafetivo não apenas avoengo, mas materno-filial.
7- Recurso especial conhecido e provido, a fim de, afastados os óbices da ilegitimidade ativa e da impossibilidade jurídica do pedido, anular a sentença e determinar que seja dado regular prosseguimento ao processo, com exauriente instrução acerca da matéria.
(REsp n. 1.957.849/MG, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 14/6/2022, DJe de 21/6/2022.).
No caso em exame, o Juízo de 1º grau deverá proceder à instrução processual em que já superada a ilegitimidade ativa e impossibilidade jurídica do pedido conforme decidido pelo Superior Tribunal de Justiça. Ou seja, já há o indicativo, nesse caso concreto, que seja deferida adoção aos avós.